segunda-feira, 18 de maio de 2015

Crônica: E se fôssemos eternos?


Começava a chover e eu ainda estava parada na enorme fila da lotérica. Esta já alcançava a esquina do Banco e se confundia com a outra fila de pessoas que o esperavam abrir. Tentei roubar um espaço sob o guarda chuva de um rapaz que estava à minha frente, quando uma nota de falecimento começou a ser anunciada na Basílica do Bom Jesus de Iguape, e todos se silenciaram de imediato. Eu não conhecia a pessoa anunciada, vi algumas caras espantadas, e esperei alguém comentar algo, mas nada que pudesse satisfazer a minha curiosidade foi dito, apenas “Ele era um bom homem”, “Deixou mulher e filhos”, “Aproveitou a vida” ou “Vai deixar saudades”.
            Então uma senhora, atrás de mim, sussurrou:
            - Todos morremos um dia.
            Eu sei disso, mas não aceito tão facilmente. Costumo sofrer pela perda de um ente querido por bastante tempo, mas se eu avaliasse o fato de que a morte está presente em tudo e em todos, e que esta possui tanta importância quanto à vida, pensaria diferente e reduziria em grande escala essa angústia.
Se fôssemos eternos, a vida seria entediante, deixaríamos tudo para fazer amanhã, porque haveria a certeza de que ele se concretizaria, não viveríamos o hoje, não desfrutaríamos dos prazeres da atualidade pois haveria a desculpa de fazer isto mais tarde.
Seríamos seres preguiçosos. Haveria mais “depois” ditos por aí, do que os que se ouvem lá em casa, quando a minha mãe me manda lavar a louça.
Se fôssemos eternos, a população mundial aumentaria demasiadamente, e eu não conseguiria ter um banco vazio no ônibus só para colocar a bolsa; a produção de lixo seria tamanha, que eu não conseguiria separar as garrafas pets para o catador simpático da minha rua, e mesmo se este fosse despachado para outro planeta ainda não haveria espaço suficiente; a Terra se tornaria pequena e não teríamos água para dividir com todos. E sabe, eu adoro tomar banho todos os dias...
Se fôssemos eternos, deveríamos pensar em quantos aniversários celebraríamos, não haveria espaço no bolo para tantas velas, e o período entre infância, adolescência, se tornar adulto ou idoso, seria aumentado em cerca de bilhões de anos. Seria tudo tão igual e cansativo. Que não haveria a menor graça.
Por isso não vejo motivos para evitar que a vida venha e também que se vá. Caso contrário, onde encontraríamos a expectativa pelo amanhã? O medo de errar no presente e pagar por isso no futuro? Haveria um sentido para a vida? Acredito que não.
- Vamos, moça, é a sua vez. – uma senhora me cutucava.
Despertei. A fila estava no fim. A chuva cessara e as pessoas já estavam em outros assuntos dispersos. Paguei as contas e segui ainda confusa para aproveitar o sábado, enquanto havia tempo.


3 Comentários:

  1. Nossa, honey! Que incrível. Você conseguiu ser filosófica e existencial num ambiente tão corriqueiro e de maneira tão cotidiana. Você é demais!

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  2. Olá! Amei a Crônica e tem um assunto que é interessante e reflexivo. Se não houvesse um final não haveria graça mesno, tudo se tornaria comum demais e caótico. E por ter fim, sempre há alguém pra recomeçar e fazer igual ou diferente. O show continua, assim como a fila que não parou e as pessias que já falam em outros assuntos.

    Parabéns pelo texto.
    Bjão
    Diego França
    Blog Vida & Letras
    htrp://blogvidaeletras.blogspot.com

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  3. Hanna, não vou falar sobre como escreve bem, afinal, sempre falo disso não é verd?
    Mas gostaria de elogiar sua observação sobre a morte, sobre nossa existência. E tem razão, não daria msm pra ser eterno, seria chato demais..rs
    temos msm q ser intensos e aproveitar cada momento, pq apesar de ser uma frase tão cliché, sabemos q é assim que tem que ser, afinal, não sabemos em que posição da fila da vida nós estamos, de repente chega a nossa vez e nem aproveitamos como deveríamos. É uma reflexão interessante, parabéns.

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